segunda-feira, janeiro 19, 2004


Entrevista Arthur de Faria




LAURO - Tu és músico, produtor musical, jornalista, escritor. Qual dessas atividades é mais gratificante pra ti?

ARTHUR - Difícil dizer. Fico entre músico (mais precisamente compositor e arranjador) e produtor de discos. Em ambas as áreas eu sinto que tenho um bom domínio da técnica, da psicologia da coisa e alguma originalidade. É também o que faço com mais prazer, sem sombra de dúvida: compor, escrever arranjos e produzir discos. Logo em seguida vêm a alegria de estar no palco, que acontece cada vez mais (no começo é difícil tu estar à vontade e lidar com as possíveis variáveis da situação). Depois vai ficando mais puta velha e tira de letra. Afinal, já faço isso há, creia, 19 anos!

LAURO - A música apareceu como na tua vida?

ARTHUR - Sempre esteve muito presente. No ?Livro do Bebê? que minha mãe preencheu quando eu nasci dizia: O que mamãe acha que ele vai ser quando crescer? Minha mãe escreveu: Compositor de MPB. Por ai tu tiras o respeito que esse tipo de coisa sempre inspirou na minha família. Não tem nenhum músico nela, mas meu pai, minha mãe e meu avô sempre foram absolutamente ligados à música, como ouvintes. Aí, quando tinha 11 anos comecei a tocar tarol na banda do colégio, com 12 fui estudar violão, com 13 tinha minha primeira banda, que tocava músicas compostas por mim, e fiz meu primeiro show. A praia? MPB, claro.

LAURO - Tu és lá de Gravataí. Vivesse lá até quando?

ARTHUR - Até os 19 anos.

LAURO - Já tocavas naquela época? É dessa época a história da pastelaria (é dois só)?

ARTHUR - Sim, claro. Como te disse, comecei aos 13, com essa banda, que se chamava (brr!) "Musical Nascente"-. Eu tocava violão de 8 cordas, uma porra que só o Egberto Gismonti tocava. Tinha mais charango, violão de 12, violão de 6, flautas doces, ocarina e percussão. Tudo num clima acústico muito influenciado pelos mineiros em geral e os Almôndegas em particular (estávamos em 82, os Almôndegas já tinham acabado - em 78), mas isso ainda era um referencial muito próximo.
A estória da pastelaria Só é de muito tempo depois. Já morava em Porto Alegre e ensaiava uma banda de Cachoeirinha, com músicos das três cidades. O Só ficava ao lado da oficina de instrumentos do guitarrista, onde a gente ensaiava. Isso era 93, por ai. A banda se chamava Complexo de Épico, e tinha um clima muito tropicalista.

LAURO - Até pouco tempo atrás, tu estavas envolvido com a Fundação Itaú Cultural, tu ainda tens essa ligação? Qual era a tua função?

ARTHUR - Durante um ano e meio eu fui curador gaúcho de um projeto muito do caralho de mapeamento da produção musical independente americana. Se chamava Rumos Musicais ? Tendências e Vertentes. Foi uma das experiências mais ricas que eu tive na vida, humanamente e musicalmente falando. Éramos 40 pessoas, todos músicos e produtores, de TODOS os cantos do Brasil.

LAURO - Como é que tu estás vendo a música feita no RS hoje?

ARTHUR - Acho boa. Acho muito boa, e muito variada. Acho a melhor produção musical feita hoje no Brasil. Nós e São Paulo.

LAURO - Em termos musicais, qual é a grande diferença do que se faz aqui, pr'aquilo que é feito no resto do Brasil?

ARTHUR - A gente é mais retraído, não fica á vontade na boquinha da garrafa, e isso já faz uma diferença. Mas, além disso, tem uma coisa que só tem aqui, e que é uma bosta: a música regional, e a música urbana não se misturam, e até se hostilizam. Os poucos que fazem essa mistura estão entre os meus gaúchos preferidos: Vitor Ramil, Borghettinho...

LAURO - Por que acabou a revista CAPACETE? Foram somente 3 números mesmo? Tem chance de voltar um dia?

ARTHUR - Acabou porque a gente tinha um esquema muito profi e um pouco mega. Isso custava muita grana. Fizemos três números em que não perdemos dinheiro (o que já é espantoso). No terceiro teríamos de diminuir o número de páginas, mudar o papel, não pagar os colaboradores. Aí achamos melhor parar na maré cheia. Volta e meia falamos em voltar (eu, Jimi Joe, Carlos branco e Eduardo Aigner), mas acho pouco provável...

LAURO - Li no teu Perfil (site poprock), que o teu sonho é ter infraestrutura pra bancar um grande projeto musical que te interesse, já sabe que projeto é esse?

ARTHUR - Tenho uns 10! Desde uma big band com uns 25 músicos, até produzir discos de pessoas que eu acho do caralho e ainda não gravaram discos, ou fizeram trabalhos que ainda não chegaram lá, em termos de excelência.

LAURO - Frank Zappa é uma grande influência pra ti?
ARTHUR - Grande, grandíssima.

LAURO - Quais são as tuas grandes influências?

ARTHUR - Zappa, Jobim, Radamés Gnatalli e Nino Rota são as maiores, agora na maturidade. Em outras épocas foram outros caras. No começo, Milton Nascimento e Almôndegas. Depois, Arrigo Barnabé. E aí foi indo.

LAURO - Aquele CD do João Gilberto que tu ganhou lá na Argentina, ta pra negócio? Pago bem.

ARTHUR - IMAGINA! TOU DESAUTORIZADÍSSIMO! Contei pro Caetano que tinha, ele me proibiu de fazer cópia até pra ele. Vou discordar do Caetano, rapá?!?

LAURO - Existe possibilidade de voltar o VITROLA MINHA VITROLA?

ARTHUR - Nunca sei. Às vezes quase volta, e empaca de novo. É foda vir pra cá domingo, quando tu já vens de segunda a sexta.

LAURO - quais são teus planos na música daqui pra frente?

ARTHUR - Gravar muuuuitos discos com a Arthur de Faria & Seu Conjunto (estamos em fase de demos prévias do trabalho novo, Música pra Bater Pezinho) e tocar muito, com a banda, mundo afora.
Também tou terminando de produzir o primeiro disco do saxofonista da banda, Sérgio Karam. E devo produzir outro, de um compositor e tecladista de Pelotas muito bom, chamado Luciano Mello (foi um dos selecionados do Rumos).

LAURO - Tu lançou um livro no ano passado (100 Anos de Música no Rio Grande do Sul), porque ele não foi lançado comercialmente?
ARTHUR - O problema não foi com o livro, mas sim com os 5 CD?s encartados. Direito autoral. É complicadíssima essa parte. O Branco, que fez a parte executiva de tudo, levou dois anos pra liberar todos os fonogramas para um lance que NÃO seria vendido. Se fosse pra vender, ia ser infinitamente mais complicado. Mas vai ser relançado, só o livro, revisto e ampliado, até o final do ano pela Artes & Ofícios.

LAURO - Pretendes trabalhar mais com literatura?

ARTHUR - Não é literatura, né? É não-ficção. Pretendo escrever mais coisas nessa área, de história da música do RS. Mas nada de literatura. Nunca escrevi ficção.

LAURO - Tu és um cara que aparece pouco na mídia, faz pouco ou quase nada de TV, no entanto quando se fala no teu nome, parece que todo mundo te conhece. Tu te sentes um cara famoso? Isso é um ideal pra ti?

ARTHUR - Olha, meu, eu não me sinto lá muito confortável, não. Na verdade, grande parte desse "conhecimento" é devido ao Cafezinho, o que é irônico, porque eu nunca me imaginei no rádio e tal. Quanto a ser famoso, tem uma frase do Caetano que sempre norteou a minha vida:
Eu nunca quis ser famoso. Eu sempre quis ser célebre.
É nojento, mas é verdade. Rá!

LAURO - O Fischer (Luis Augusto), escreveu no Para fazer diferença, coisas muito elogiosas a ti, ao Nico Nicolaiewsky e ao Vitor Ramil. Como é que tu te sentes na boca desse sapo, e ao lado destas cobras? Obs. Tudo no melhor sentido, é claro!

ARTHUR - Fiquei lisonjeadíssimo, claro. Até porque ali estão quatro dos meus maiores heróis: o Fischer, o Celso Loureiro Chaves (que escreveu o texto com ele, e é célebre, sem ser famoso), o Vitor e o Nico (outro que é mais célebre que famoso).

LAURO - Mudando de assunto, como é que tu vês o futuro de um projeto como o Porto Alegre em Buenos Aires, em tempos de crise como este da Argentina?

ARTHUR - Não vejo né? Dançou. Uma pena, uma peníssima. Eu fiz shows no Porto Alegre em Buenos Aires e no Porto Alegre em Montevidéu, ambos foram espetaculares. Eu e o Fischer vínhamos dando um taller de história da MPB bem legal lá, a cada edição do Poá em Bs As.

LAURO - A Argentina gosta mais da música brasileira, ou o Brasil gosta mais da música Argentina?

ARTHUR - A Argentina gosta imensamente mais. Os caras conhecem muuuuuuuuito. Pra te encurtar a história, as inscrições pro nosso curso esgotavam sempre nos primeiros dias. Todos os principais jornalistas que escrevem sobre música nos principais jornais de lá fizeram o curso. E veio gente até de Tucumán ( a mil Km de distância ) pra fazer. Quantas pessoas no Brasil se interessariam por um curso de Música Argentina?

LAURO - Existe ainda um mercado entre os dois paises?

ARTHUR - Acho que existe um começo de intenção de estabelecer uma coisa. E é uma imensa pena o que está acontecendo por lá. Agora ficou bem mais difícil. A gente ( Arthur de Faria & Seu conjunto) tava parta ir fazer uns concertos em Tucumán e Buenos Aires, com uma orquestra de Tucumán, quando o troço estourou.

LAURO - Tu tens um disco, o FLICTS, que é baseado na peça de Ziraldo. Como é a tua relação com trilhas sonoras? Já fizeste trilha para cinema?

ARTHUR - Eu a-do-ro escrever trilha. Já fiz muita trilha pra teatro infantil. Estou pra fazer minhas primeiras trilhas pra teatro adulto. Pra cinema, fiz pra um curta ( Um Estrangeiro em Porto Alegre) e a música de cena do Jacobina, do Fábio Barreto, que ta pra estrear. Queria fazer muito mais.

LAURO - Qual é o futuro da música popular brasileira? Brincadeira! Brincadeira!

ARTHUR - Ufa, é brincadeira....
LAURO - Valeu pela força, muito obrigado pela atenção, e aquele abraço.

ARTHUR - Abrazzão, meu!


Nenhum comentário: