Morte e vida severina
Já expliquei para muitos que sou gaúcho, mas filho de uma pernambucana. Minha mãe chegou no RS no meio dos anos 70, recém casada com meu pai (este sim, gaúcho). Viveram juntos pouco mais de três anos, e separaram-se quando eu tinha dois anos de idade. Meu pai resolveu tentar a vida pelo nordeste brasileiro, e assim o fez até falecer no início da década de 90. Minha mãe, analisando os prós e os contras de voltar à Pernambuco, achou que teria melhores oportunidades ficando no Rio Grande do Sul.
Durante minha infância e adolescência tive a oportunidade de visitar meus familiares em Pernambuco e adjacências com freqüência. Numa dessas viagens, caiu em minhas mãos um poema de João Cabral de Melo Neto, chamado “Morte e vida severina”. Tinha eu pouco mais de 10 anos, e nem tudo o que estava escrito era claro pra mim, mas serviu pra despertar em mim o interesse pela poesia, e especialmente pela literatura de cordel.
Hoje, pensando na viagem da minha mãe, lembrei de alguns versos de Morte e vida severina, e resolvi o primeiro trecho do poema, aquele em que Severino de Maria, filho de Zacarias se apresenta, dizendo quem é, e de onde vem.
O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mais isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem falo
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
alguns roçado da cinza.
Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.
3 comentários:
Meu amor, eu nunca li nada dela. Tou vendo agora que é uma falta imperdoável.
Um beijão, tou com saudades!
Descobri "de novo" que você me linkou. De novo, pois já tinha visto e, pf!, esquecido. Agora voltei e aproveito pra dizer que tenho algo em comum com a tua mãe: uma nordestina exilada (voluntariamente e que ama essa cidade) em Porto Alegre. E se não sou conterrânea, sou quase vizinha, das Alagoas. :)
Lauro,
Muuuuuiiiitooooo bom... tanto pelo bom gosto na escolha do poema, quanto pela forma como o utilizou para descrever tua origem. Muito bom mesmo. Na verdade, teu blog está muito legal e, pro teu governo, eu leio sim o que escreves. Não fico só olhando as gravuras... hehehehehe... Um abraço, Úrsula
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