O Rei da Pontaria
Eles chegam no IML com os olhos arregalados
de medo e a cabeça toda furada de balas.
(Sidney M., em abril de 85).
Conheci o meu primeiro parceiro de investigação, sobre os crimes dos policiais militares, durante a gravação de uma reportagem sobre desaparecidos para o programa São Paulo na 771 da Abril Vídeo. Ele estava sentado, ou melhor, espremido entre pessoas angustiadas no banco de madeira da delegacia, quase sem esperança de ser ouvido pelo delegado. O drama dele era semelhante ao de todos que aguardavam a chance de registrar o desaparecimento de algum parente. Aos 15 anos, Sidney M. já havia contado a sua história algumas dezenas de vezes aos assistentes sociais, que se limitavam a registrar o nome do pai e da mãe na lista das 20 mil pessoas que somem por ano na multidão das ruas de São Paulo.
De imediato me impressionou a persistência com que um adolescente solitário perseguia seus objetivos.
- Você já deu queixa em algum outro lugar, em outra delegacia?
- Já registrei queixas na 1ª Delegacia, na 3ª, na 5ª, na 7ª, na 9ª, na 11ª...
- Já sei, todas de números ímpares.
- Nas pares também: 2ª, 4ª, 6ª, 8ª, 10ª...
- Só em São Paulo?
- São Paulo, Osasco, Guarulhos, Moji, Santos, Ribeirão Pires, Barueri, Bauru, Assis.
- Há quanto tempo você procura os seus pais?
- Desde que me conheço por gente...
Na semana seguinte já éramos amigos, aliados a enfrentar dois desafios quase impossíveis: eu o ajudava a procurar o pai e a mãe, que sumiram nos seus primeiros meses de vida. Ele trabalhava comigo na busca de testemunhas e sobreviventes da guerra entre policiais militares e supostos criminosos da cidade.
Abandonado pelos pais quando tinha três meses de idade, Sidney foi criado por parentes e pessoas estranhas, quase todas de triste lembrança para ele. Conviveu boa parte da infância com duas irmãs, Sônia e Sueli, na casa de um tio violento, no município de Barueri. A educação, baseada em surras e castigos, quase sem nenhum afeto, levou-o a fugir de casa com Sônia quando tinha 10 anos de idade.
Os dois viveram alguns meses nas ruas do centro de São Paulo até o dia em que foram recolhidos pelos funcionários da Febem, entidade que abriga os menores de rua da cidade. Sônia foi levada para a unidade das meninas. Sidney, para o pavilhão dos meninos infratores. Nos dez anos seguintes, os irmãos não puderam se encontrar.
Durante os dois anos de internato, sem receber uma única visita, Sidney conquistou a amizade de uma assistente social, que o ajudou a identificar o avô paterno, no interior do Estado. A descoberta facilitou a desinternação da Febem. Aos 12 anos, Sidney chegou sozinho à cidade de Assis para morar com o avô Avelino, que gostou de conhecê-lo. O avô o levou ao encontro de três tios e três tias, todos irmãos da mãe desaparecida, que se chama Dora Marques dos Santos. E mostrou ao neto uma preciosidade que guardava no fundo do guarda-roupa: o álbum da família.
A maior parte das fotos do álbum era da avó Maria, que Sidney achou parecida com ele. Os três tios, irmãos de seu pai, eram parecidos entre si. Tinham em comum a primeira letra do nome: Francisco, Fernando, Felipe. A foto que mais emocionou Sidney era uma velha 5x7, amarelada pelo tempo. Mostrava o perfil de um rapaz pardo, cabelos crespos bem curtos, olhos escuros, resta pequena, vestido com a farda do Exército. Tinha escrito a lápis, no verso, a data, novembro de 58, e o nome, Benedito Marques da Silva. Era o caçula dos três irmãos, o pai de Sidney.
Morou um ano com o avô, que tinha o vício do alcoolismo. De volta à capital, Sidney estava decidido a investigar com mais profundidade a origem da própria vida. Começou a trabalhar como office-boy para pagar as pensões e quartos em casa de família. Parou de estudar por falta de tempo. Nas horas livres de fim de semana se
dedicava a viajar pela periferia e municípios da Grande São Paulo, sempre à procura do pai e da mãe.
Uma foto, nome completo, filiação e data de nascimento eram todas as informações que nós tínhamos quando começamos a procurar os pais de Sidney, em 1985. Durante um ano nós tentamos saber se os nomes deles constavam nos arquivos de vários serviços públicos. Fracassamos. Só conseguimos eliminar possibilidades. Os pais de Sidney seguramente não têm telefone registrado em seus nomes em São Paulo e em nenhuma capital do país. Também não recebem gás, luz e água das empresas fornecedoras. Não são eleitores do Estado, nunca foram presos na cidade nem condenados pela Justiça estadual. Pelo menos um de nossos fracassos foi animador: não há registro de óbito dos pais de Sidney no Estado.
Em cinco anos de procura, Sidney viveu alguns momentos emocionantes, como o da descoberta de um irmão materno, Sérgio, no bairro de São Mateus. Sérgio mora com o pai desde o dia em que também foi abandonado pela mãe, uma empregada doméstica. Ele contou a Sidney que os três casamentos da mãe tiveram o mesmo fim. De repente, ela sumia deixando os filhos sob a guarda do marido apaixonado. No caso de Sidney, o pai transferiu a responsabilidade ao padrinho. O irmão acredita que a mãe esteja vivendo em algum lugar da cidade. No começo da década de 90, Sidney resolveu ampliar a procura dos pais, por conta própria, também para outros Estados do país. Por intuição, começou pelo sul em direção ao norte. Até os dias em que este livro estava sendo escrito, nenhuma boa pista tinha sido encontrada no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Mas a procura continuava.
O envolvimento de Sidney na minha investigação sobre os crimes da Polícia Militar aconteceu em dois momentos distintos. Na primeira fase durou um ano e oito meses. Começou em 85, com plantões no pátio do Instituto Médico Legal, com uma dupla missão: procurar sobreviventes dos tiroteios em que estivessem envolvidos os PMs do caso Rota 66. E observar a chegada dos corpos de suas vítimas. A estratégia era se misturar aos familiares, que todos os dias vão ao IML, para identificar seus parentes e providenciar a documentação para o enterro. Sidney não precisou de nenhum disfarce especial.
O jeito tímido, o olhar tristonho, a roupa simples, a cor parda eram disfarces naturais que o confundia com os parentes das vítimas. Parte do trabalho não deu certo. Nos primeiros três meses, Sidney conversou com centenas de pessoas, mas não conseguiu encontrar nenhum caso de tiroteio com sobrevivente, nem mesmo com testemunhas. A experiência serviu, porém, para conhecermos na intimidade a triste rotina de trabalho e as precárias instalações do IML, o que facilitou o êxito da outra parte de nossas investigações nos corredores.
Embora seja proibido o acesso público à geladeira dos mortos, descobrimos um jeito de observar os corpos sem infringir regulamentos. Por falta de uma garagem subterrânea, os funcionários dos carros que trazem os cadáveres das ruas se obrigam a estacionar em um corredor movimentado e a carregá-los em gavetões abertos às vistas de familiares. No momento de chegada de uma vítima da PM, procurávamos estar por perto. Outro ponto que descobrimos ser vulnerável à nossa observação era o local de saída para o velório. Uma grande sala, onde os familiares e os funcionários de empresas funerárias costumam vestir os corpos e ornamentar os caixões. De fácil acesso, próxima ao balcão de atendimento ao público, permitia a Sidney descobrir fatos assustadores para ele próprio.
- Não sei como ainda estou vivo, Caco. Eles só matam jovens, pobres e mulatos como eu.
- Calma. Jovem e pobre, sim. Mas eles também matam brancos.
- Só se tiver acompanhado de um negro ou pardo.
- Exagero seu.
- Você fala isso porque você é um branco.
- Precisamos investigar pra ter certeza, é o único jeito...
- Perda de tempo. Estou vendo lá: a maioria é cadáver de mulato. Quer apostar?
Jovem, pobre, negro ou pardo. Nossas primeiras observações no Instituto Médico Legal nos ajudaram a conhecer um pouco do perfil das vítimas e também a descobrir pistas sobre as circunstâncias da morte delas. Numa tarde de setembro de 84, a infiltração de Sidney entre os familiares de um rapaz de 15 anos, pardo, morto na zona oeste da cidade, nos levou a suspeitar que alguns dos quinze PMs envolvidos diretamente no caso Rota 66 costumavam deixar nas vítimas uma marca inconfundível: o tiro na cabeça.
- Eu fiquei ao lado da avó, que chorava sem parar. Era um mulatinho, estouraram a cara dele com um tiro.
- E no resto do corpo?
- Não deu pra ver. Ele estava vestido.
A partir das informações dos parentes, descobrimos a delegacia onde o crime do menor fora registrado. Paulo Antônio Ramos, de 15 anos, morto em um suposto tiroteio com quatro tiros no peito e um na cabeça, era uma das vitimas do cabo José Cláudio dos Santos. Na madrugada do caso Rota 66, José Cláudio integrava a equipe da Rota 17, que participou da perseguição aos três rapazes do Fusca azul e ajudou a levá-los já mortos para o Hospital das Clínicas. A violência contra o menor Paulo Antônio tem muitas semelhanças com a ação dos PMs naquela madrugada de abril de 75.
O cabo José Cláudio contou na delegacia ter matado em legítima defesa, no momento em que teria sido agredido a tiros pelo menor que resistia à prisão em flagrante. Nossa investigação confirma parte da história. Flagrado em uma tentativa de assalto a uma mulher no viaduto Antártica, zona oeste de São Paulo, de fato Paulo Antônio fugiu correndo ao perceber a aproximação dos PMs motorizados.
Desesperado, ele saltou do viaduto. Quebrou a perna na queda de 3 metros. Embora machucado, Paulo Antônio se arrastou até a favela e se escondeu dentro de casa. Não por muito tempo. Em poucos minutos, o barraco estava cercado pelos PMs, que gritavam para os vizinhos não saírem de casa por causa do risco de tiroteio. Depois deste ponto, a versão do cabo José Cláudio se confronta com a dos moradores da favela. Ele alega que tentou convencer Paulo Antônio a se render. Depois de muita insistência, a resposta do menor teria sido vários tiros. Essa atitude é que teria provocado a reação policial e a morte do menor, dentro do barraco. No relato ao delegado da Polícia Civil, José Cláudio não admite ter tido a intenção de matar. Justificou-se com o velho argumento do gesto humanitário: o de levar o menor ferido ao hospital. O povo da favela conta uma história bem diferente.
Quem assistiu à movimentação em volta do barraco afirma que o cabo José Cláudio era o mais exaltado. Ele espiava o menino pelas frestas da casa sem dar importância ao apelo da avó Severina Inácio Silva, que tentou proteger o neto se colocando à frente dos policiais. Os PMs a empurraram. Ninguém percebeu qualquer reação do menor, que estava acuado na hora em que os policiais fizeram vários disparos com o cano da arma enfiada no buraco da parede. Sem nenhum mandado da justiça, usaram a lei dos coturnos para invadir o barraco. O próprio cabo José Cláudio admite no seu depoimento que derrubou a porta aos pontapés. Entrou na cozinha atirando contra o inimigo. Não há testemunhas da ação dentro do barraco.
Cessados os tiros, segundo o relato da avó, o menor Paulo Antônio foi encontrado encolhido embaixo da mesa. Baleado quatro vezes no peito e com um tiro na nuca, dali não se mexeu. A avó chegou a ver por alguns minutos o menino morto na cozinha. Apesar dos protestos de dona Severina, os PMs o arrastaram pelas pernas até a rua e o colocaram no xadrez da viatura.
- Deixem ele aqui. Respeitem, ele já está morto — protestou dona Severina.
- Que nada, vovó, no hospital ele ressuscita — teria respondido José Cláudio.
O plantão no pátio do IML nos revelou outras pistas que serviram de base para descobrirmos mais vítimas de José Cláudio dos Santos. Contabilizamos dezesseis pessoas mortas por ele em supostos confrontos armados. Catorze eram jovens, três tinham mais de 25 anos. Na maioria dos casos, encontramos a marca característica do matador. Posso afirmar com segurança que José Cláudio matou, pelo menos, nove pessoas com um, ou mais que um, tiro na cabeça. No mesmo ano de 84, por exemplo, ele voltou a matar. Desta vez as vitimas foram dois jovens. O suposto tiroteio, segundo a versão de José Cláudio, aconteceu durante um assalto a uma casa de massagens, no bairro do Pacaembu. Flagrados durante o roubo, o menor Roberto Ramos Alves, de 16 anos, e um companheiro de quadrilha, Misael Lemos dos Santos, se refugiaram num quarto da casa. Dali teriam trocado tiros com os PMs. Não houve testemunhas. A versão oficial de tiroteio é no mínimo duvidosa. A julgar pelo tipo de ferimento dos jovens, o que parece ter acontecido foi uma execução. A versão de José Cláudio só se sustentaria caso ele fosse um dos policiais de melhor pontaria do mundo, capaz de uma façanha quase impossível: fazer disparos certeiros na cabeça do inimigo em plena tensão e movimento de um tiroteio. Neste confronto com os dois jovens, José Cláudio matou o menor com quatro tiros no peito e um na testa. O amigo dele, Misael, foi baleado seis vezes: duas vezes nas mãos, duas no pescoço, uma acima do ouvido, e uma na testa. Uma das versões mais inverossímeis de José Cláudio é a da morte do mecânico Antônio Carlos de Almeida, no município de Pirituba. Durante uma patrulha, que visava prender um assaltante, ele desconfiou do mecânico que era passageiro de um táxi. Antônio Carlos teria resistido à voz de prisão e, em seguida fugido, disparando o revólver contra os PMs.
Depois de examinar os ferimentos no corpo do mecânico, fica difícil acreditar na versão de José Cláudio. Antônio Carlos foi atingido por cinco tiros, um no braço, quatro no rosto. Quem conhecer o caso somente através das informações do inquérito policial, porém, ficará com a impressão de que o cabo José Cláudio tem realmente uma pontaria incomum. Ele conta, no depoimento, que houve uma acirrada troca de tiros. Mesmo depois de ferido, o mecânico ainda teria atirado nele várias vezes. Só não explicou no inquérito como seria possível um homem disparar uma arma de fogo depois de tantos ferimentos na cabeça. Fez questão de ressaltar, porém, o seu esforço para salvar a vida do ferido. Levou o corpo de Antônio Carlos para o hospital. Todos os dezesseis casos em que descobrimos a participação de José Cláudio tiveram como desfecho a retirada do corpo do local do crime. Esse procedimento, que anula a possibilidade de uma perícia científica, se repetiu até em situações onde não havia como alegar a intenção de socorrer a vítima, como aconteceu durante um tiroteio em dezembro de 85, no bairro da Pompéia. Chamado por populares para reprimir uma tentativa de assalto ao Hospital São Camilo, José Cláudio e seus colegas encontraram os dois assaltantes tentando a fuga pela porta principal do prédio. Ao verem os policiais, os homens deram meia-volta e correram para dentro do hospital. A perseguição durou dez minutos pelos corredores, segundo a versão dos PMs, terminando com o tiroteio. O primeiro a morrer foi o assaltante João Nério, de 29 anos, com três tiros no peito. O outro, José Silvino, de 40 anos, teria trocado tiros em uma escada sem iluminação. Mesmo no escuro, José Cláudio não errou o alvo: acertou um tiro no tórax e dois no rosto da vitima. Em seguida, passou a providenciar o socorro. Como já estava dentro do hospital, o mais lógico e eficaz seria chamar um médico até o local do tiroteio. José Cláudio, no entanto, preferiu arrastar o assaltante pelo corredor à procura da enfermaria, onde o médico constatou que José Silvino já estava morto. José Cláudio sempre alega matar em legítima defesa depois de ser agredido a tiros por criminosos violentos. Podemos contrapor à sua versão os dados que apuramos de que pelo menos seis de suas vitimas são pessoas que nunca haviam cometido nenhum tipo de crime. Eram estudantes ou trabalhadores, como os operários Cláudio Valério dos Santos, de 19 anos, e Gilberto de Souza Andrade, 36. Acusados pelos PMs de terem assaltado um supermercado, os dois teriam sido surpreendidos pelos policiais num matagal. Segundo a versão oficial, eles reagiram à prisão disparando suas armas. Foram feridos no revide. Socorridos, morreram a caminho do hospital. Testemunhas, amigos e parentes contam uma história bem diferente.
Começamos a investigação procurando as pessoas que estavam no supermercado na hora do assalto. Queríamos levar uma testemunha do roubo ao necrotério para tentar confirmar se elas reconheciam Cláudio e Gilberto como assaltantes. Falamos com dez pessoas, que se negaram por medo de represálias. O único que concordou foi o borracheiro Donizete Ferreira da Silva. No velório, ao ver o corpo, Donizete afirmou categórico:
- Tenho certeza, não são os assaltantes.
Procuramos a mulher de Gilberto de Souza Andrade, que nos mostrou a carteira profissional do marido, assinada há oito anos pela mesma empresa Pazzineli, do Bom Retiro. O patrão, Rodolfo Pazzineli, confirma que Gilberto era um empregado antigo e de boa conduta. Tentamos saber dele se Gilberto faltou ao trabalho no dia do assalto ao supermercado. Ou se na hora do roubo, 9 da manhã, teria se ausentado da firma. Ele garante que não.
Pedimos a prova. Ele nos mostrou o cartão de ponto.
- Está aqui. Ele trabalhou das 7h14 da manhã até as 6h08 da tarde.
- Saiu da empresa, em algum momento?
- Absolutamente, não. Nem na hora do almoço, fez a refeição aqui mesmo.
O empresário também informa que Gilberto era um funcionário antigo em quem depositava confiança. Inclusive facilitou um empréstimo para ele ampliar a casa, que ficou pequena demais depois do nascimento da quinta filha. A reforma da casa de três cômodos estava sendo feita à noite, depois do trabalho, e nos fins de semana pelo próprio Gilberto com a ajuda de um pedreiro amigo, morador da mesma rua do Jardim Ceci. O pedreiro era Cláudio Valério, manco de uma perna desde o dia em que caiu dentro de um poço. Na noite do fuzilamento, no intervalo do trabalho na obra da casa de Gilberto, os dois foram ao botequim da esquina tomar um aperitivo e comprar lingüiça. Aí cruzaram com a Rota. Cláudio estava sem documentos. Ao ver a Veraneio cinza se aproximar do botequim, ameaçou fugir por medo de ter que dar muitas explicações. A sua atitude despertou a atenção dos PMs. Várias pessoas do bairro assistiram Cláudio e Gilberto sendo abordados pelos policiais, o que contradiz a versão de tiroteio no matagal. A própria dona do botequim, Rosalinda Sandroni, guardou no balcão uma prova da prisão de Cláudio.
- Os chinelos caíram no chão na hora em que os PMs jogaram o Cláudio dentro do chiqueirinho da viatura. Eu guardei um pé, vou devolver pra família.
- Ele reagiu?
- De que jeito, é um aleijado...
- A senhora viu pra onde eles foram levados?
- Desceram. Depois de alguns minutos eu ouvi o barulho de tiros lá pra baixo.
Descobrimos também uma acusação falsa dos PMs contra a honra dos morros, acusados de serem assaltantes violentos. Os arquivos da Justiça de São Paulo revelam que não há nenhum registro de crimes praticados por Cláudio ou Gilberto. Os computadores da própria polícia também confirmam aquilo que toda vizinhança garante: os dois não eram criminosos. Eles não foram os únicos mortos por erro grosseiro do cabo José Cláudio. Nossa Investigação permite afirmar que outras cinco pessoas fuziladas por ele em circunstâncias semelhantes nunca haviam praticado nenhum crime.
José Cláudio foi absolvido pela Justiça Militar em todos os dezesseis casos que examinamos. Alguns nem chegaram a ser julgados, foram arquivados antes. Sua ficha disciplinar revela que o conceito que ele goza na instituição é dos melhores, cheia de elogios assinados por oficiais da alta cúpula. Um ex-comandante do batalhão que sedia a Rota, coronel Salvador D’Aquino, é um dos incentivadores de seus métodos. Ao deixar o comando, o coronel registrou o seguinte elogio a José Cláudio:
...sempre projetou o nome da unidade. E um artífice de glória deste tradicional batalhão.
Retirado de Rota 66, Caco Barcellos
Um comentário:
Tá cada vez mais difícil escolher um livro pra começar!
Beijos, te amo!
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