Tudo culpa do fio da pandorga
Nesse momento, terei de falar de Sândi. Lôrinha. Olhos azuis, e tudo mais. Adorava as pernas de Sândi. Longas e torneadas e fortes e brilhantes. Por Deus, a pele de Sândi brilhava e recendia como se tivesse sido besuntada com óleos aromáticos orientais. Ela usava sainhas curtinhas e shorts mais curtinhos ainda, aquela Sândi. Um dia ela veio caminhando na minha direção com aquele jeito de lôrinha, sabe como as lôrinhas caminham na nossa direção. Pois bem. Ela veio daquele jeito e ela usava um shortinho folgado da cor exata da farinha láctea, nunca mais comi farinha láctea. Notei que bem no alto da coxa dela, bem ali perto da bochechinha da nádega, havia um vergão de palmo e meio de comprimento. Comentei, tive de comentar:
- Te machucou...
Ela, casualmente, com a maior voz de lôrinha, sabe como são as vozes das lôrinhas:
- Foi o fio da pandorga do meu irmão que me lanhou. Está até alto. Quer passar a mão pra ver?
Jesus amado! Ela me convidou para passar a mão ali, numa região tão no alto, tão ao Norte que poderia ser considerada o Amapá da coxa esquerda dela, aquela coxa grossa e bem desenhada e luzidia! Me deu uma angústia. Mas uma angústia, uma angústia! Balbuciei, trêmulo:
- S-sério?
Ela, como se não compreendesse a pergunta:
- Ué? Sério. Passa o dedo aqui pra ver como ficou alto...
Engoli em seco. Fechei o polegar, o dedo médio, o anular e o mindinho. Mantive o indicador ereto, teso. Fui esticando o braço. Esticando, esticando, rumo à coxa de Sândi. Aproximava-me devagar, centímetro por centímetro. Quando estava à distância de um palmo, violento tremor apossou-se do meu dedo. Só o dedo tremia, mas tremia com uma paixão que poderia abalar-me todo o corpo. Fui me aproximando, me aproximando. Sentia vontade de chorar. De sair correndo. Mas não podia. Jamais me perdoaria, se fugisse naquele momento decisivo da minha vida. Finalmente, atingi a coxa. A cicatriz rósea impressa na coxa levemente dourada. E meu dedo percorreu a extensão inteira daquela cicatriz. Percorreu lentamente, gozosamente, esse mesmo dedo que ora digita i, esse dedo que preme campainhas, que chama táxis, que indica o número 1, que escarva os cremes dos bolos, que esmaga formigas na cozinha, esse dedo me proporcionou aquela antiga alegria.
Foi o início de uma campanha vitoriosa para arrebatar o coraçãozinho de Sândi. O passo seguinte foi convidá-la para dançar uma música lenta na reunião dançante lá do bairro. Dançamos e talicoisa, eu concentradíssimo no Bi Dis e ela:
- Tu gosta de dançar?
Eu:
- Ouié.
- Djóia. Que tu vai fazer amanhã de manhã?
Amanhã de manhã era domingo. Eu ia dormir, claro. Mas quem queria dormir, podendo estar com Sândi em qualquer lugar, até em São Miguel do Oeste? Por isso respondi:
- Nada. Não vou fazer nada.
O que até era verdade. Só que não esperava pela proposta dela:
- Quer ir à missa comigo?
Missa, cara! Oito da manhã, cara! Olha a proposta que a mina me faz! Então aconteceu o seguinte, bem o seguinte: no domingão, oito da manhã, lá estava eu, com o cabelo molhadinho, com a camisa fechada até o último botão, sentado no primeiro banco da igreja, mandando ver:
"Senhooor, fazei com que eu procure maaais
Consolaaar que ser consolaaado
Compreendeeer que ser compreendiiido
Amaaaaaaaaaaaaaaaaaaar que ser amado!"
As coisas que um homem não faz por causa de pernas compridas e bem diagramadas. Um homem dança, como dancei, ele vai à missa, ele come comidas orientais, ele chega ao ponto de assistir a comédias românticas. Por quê? Porque ele está em campanha.
E isso é belo, isso é comovente. Pelo ardor, pelo desejo, no afã da conquista, o homem faz os maiores sacrifícios. Tudo para, depois, não ser compreendido pelas mulheres. O homem está lá, há dois ou três anos com ela, e ela reclama:
- Antes, tu dançava. Antes, tu ia ver comédia romântica.
Mas será que ela não entende que é exatamente isso? Que é "antes"??? Antes o homem estava em campanha, pô! Agora não está mais! Você tem fome, come, sacia a fome. Simples. Como é que elas não entendem??? Ficam exigindo que o pobre coitado vá aos filmes da Jeniffer Aniston.
O homem em campanha é como o presidente de clube na pré-temporada. Ele promete supertimes, ele promete títulos. Vai cumprir?
Vai!
Se for como as atuais direções do Inter e do Grêmio, vai. Que raridade, o que está acontecendo no abençoado ano de 2006. Tudo está dando certo, tudo vai indo bem. Para todo mundo! É capaz até de que esses dirigentes da Dupla gostem de dançar com suas ilustríssimas. É capaz até de eles assistirem filmes com amor no título. Mas eles. Eu não.
Autor: David Coimbra - ZH
Um comentário:
Pô, o cara é animal!
Beijos, meu amor, te amo!
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