segunda-feira, março 26, 2007

Eu sou assim, me apaixono fácil

É sina. Desde guri eu sou assim. Apaixono-me fácil.
Lembro na primeira série. Estávamos todos muito apreensivos com a festinha de final de ano. Seria uma reunião dançante! Alguém mais é do tempo da reunião dançante?
Os meninos levavam os refri, e as gurias levavam os salgadinhos. Tia Maria Lúcia (chamávamos nossas professoras de Tia na 1ª série) mandou a gente colocar as mesas e cadeiras no canto da sala, para que o meio da aula ficasse livre pro arrasta pé.
Curiosamente ninguém dançou. E a gente lá, sentado com cara de bunda, tomando guaraná quente e comendo Miliopã.

Enquanto isso a vitrolinha da Phillips tocava alguma coisa da década de 80, provavelmente um Kid Abelha, ou uma Marina da vida.
E nós lá, sentados feito idiotas, com vergonha uns dos outros, enchendo a cara de guaraná pra ver se criava coragem de chegar n’alguma das coleguinhas.

Tia Maria Lúcia não gostava muito dessa situação empatada. Ela queria agito, a gente precisava ir pro fight. Tanto era assim, que ela disse que se ninguém começa-se a dançar, ela ia acabar com a festinha, e passar tema-de-casa pra todo mundo.

Tudo, tudo, tudo mesmo, menos tema-de-casa! Eu detestava tema-de-casa. Olhei ao meu redor e vi meus colegas com a insegurança estampada nos olhos. Ali, com 7 anos de idade, ninguém era muito afeito a essa coisa de dançar. Ainda mais assim, com a obrigação de tirar as gurias pra dançar. Ah, me esqueci desse detalhe: a gente tinha que convidar as coleguinhas pra dançar.

Então, vendo que nenhum dos meus colegas iria tomar frente na batalha, resolvi que essa seria a minha grande participação escolar do ano: salvar a reunião dançante, onde ninguém dançava.

Olhei rapidamente para minhas colegas, procurando uma que estivesse pensando na mesma coisa que eu: tudo, tudo, tudo mesmo, menos tema-de–casa.

E lá estava a Tati. Coisa bonitinha. Cabelinhos castanhos, cacheadinhos, uma blusinha azul calcinha, com um ursinho estampado no lado esquerdo do peito, bem sobre o coração. Tati era um doce de colega. Tinha aquelas borrachinhas com cheiro de chiclé, tomava refrigerante mix*, comia pastelina, e usava um perfume com cheirinho de maçã verde. Eu era apaixonado por ela.

Neste momento, peço a vocês um minuto de reflexão sobre o pobre ursinho polar, Knut, que foi abandonado pela grande mãe ursa, e hoje vive sobre os cuidados de tratadores de um zoológico na Alemanha. Ambientalistas mais radicais sugerem que Knut seja sacrificado, pois como todos sabem, depois de acostumado com os seres humanos, Knut nunca mais será um urso polar normal. Ele irá crescer, e ficar perigoso demais para conviver com os humanos, ao mesmo tempo em que ele será completamente inapto ao ambiente natural de sua espécie. Knut não saberá caçar, não saberá se relacionar com outros ursos, e o pior, não terá nenhuma experiência com as ursas.

Pois bem, amigos e amigas, naquele momento eu era o pequeno Knut. Havia sido até então criado sobre as asas protetoras de mamãe, e agora, aos 7 anos de idade, estava soltinho na vala, com a obrigação de usar de minha lábia, para convencer Tati, a cheirosa, a dançar comigo naquela tarde, de um final de ano qualquer, no meio da década de 80.

O pequeno Knut espreita sua vítima, e embora não saiba exatamente o que fazer para conquistá-la, sabe muito bem que, qualquer movimento brusco, perderá sua companheira.

Foi nesse momento que lembrei de um filme que vira recentemente. Lembro do galã do filme se aproximando da donzela, enquanto acontecia uma festa de máscaras num reino qualquer, há muito tempo atrás. Ele chegou, curvou seu corpo para frente, agarrou sua mão com delicadeza, beijou-a, e lhe perguntou: concede-me esta contradança ? A donzela sorri, dando sinal verde pro galã do filme.

Pronto, agora eu já me sentia confiante. Tati, que até então vivia apenas em meus sonhos, me ajudando com a tabuada do 2, dividindo pastelina, e catando conchinhas na praia de Cidreira, agora seria minha. E para sempre! Não só salvaríamos a turma inteira da lição de casa, como também selaríamos nosso destino como marido e mulher. Teríamos dois filhos e um cachorro, casa na praia, iríamos na Disney, veríamos o Tio Toni fazendo mágica na TV, tomaríamos Toddy de canudinho no mesmo copo, guardaríamos os dentes de leite um do outro como recordação, e passaríamos de ano sempre, sem o risco da recuperação, uma vez que eu era bom em português, e ela em matemática. Juntos seríamos imbatíveis!

Ela aprenderia a jogar bola e andar de bicicleta, enquanto eu aprendia a jogar 5 Marias. Eu emprestaria meu Pogo-Bol, e brincaria com o Lango-lango dela.

Tomei meio copo de guaraná num gole só, sequei a boca com a manga do casaco, estufei o peito e fui até lá.
Todos pararam e me olharam. Percebi até um certo ar de inveja de alguns. Cheguei em frente à Tati, abaixei meu corpo levemente, peguei sua mão, olhei em seus olhos e perguntei: Concede-me esta contradança?

Tati ficou vermelha. Acho até que chegou a se encolher de vergonha. Entrou pra dentro da blusinha azul calcinha. Todos riram. Sei lá porque, todos riram. Eu estava ali, me sacrificando por eles, e eles rindo. Até o Antônio Peido, que tinha um problema de flatulência, e o Rafael com PH, que era baixinho, gago, dentuço e sardento, estavam rindo de mim.

Não lembro o que eu fiz depois daquilo, só sei que nunca mais falei com a Tati. Aliás, acho até que foi nesse dia que eu resolvi que só me sentaria no fundo da sala de aula, bem longe dessas guriazinhas metidas. Ora bolas, grande coisa saber a tabuada do dois. Até o Renato, que era criado pela avó, sabia a tabuada do 7. Aprendeu com um daqueles lápis que já vinham com a tabuada toda escrita. E tem mais, quer saber, eu vou pedir um daqueles relógios com calculadora no Natal, e daí nunca mais vou precisar dela.

E assim foi, nunca mais vi a Tati, e nunca mais me apaixonei por guria nenhuma que cheirasse a maçã verde. Hoje em dia tenho planos de tomar Toddy de canudinho com a Ciça, que usa perfume com cheiro de frescor, e tem um sorriso lindo, como as ensolaradas tardes de verão. E toda vez que eu a vejo, sinto como se o meu coração tivesse parado por alguns instantes. E assim como nos planos da infância, sinto que juntos podemos tudo, e que em tudo nos completamos.
Ah, e quando eu convido pra dançar, ela aceita.


Glossário:
Refri Mix = É aquele refrigerante de máquina, que a gente pede pra que sirvam um pouco de cada um. Fica aquela coisa com cara de água de sarjeta, e gosto de Refrescola Pepsicante.

2 comentários:

Belita disse...

mto legal tua cronica... mistura momentos engracados com momentos ternurinha....

Cecilia W. disse...

E eu aqui, mais uma vez, me acabando de chorar na frente do micro!
Meu amor, você me emociona a cada minuto. Vamos passar o resto da vida dançando e tomando Toddynho.
Te amo muito, meu lindo!